Co-autor: Leonardo Lana de Carvalho
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri
Setembro de 2019
Figura 1: Alegoria na capa de Gödel, Escher, Bach.
Este trabalho é uma análise conceitual que aproxima o conceito de Hierarquia Entrelaçada (HE) de Hofstadter do pensamento enativo e do conceito de autopoiese.
Este trabalho pauta-se na Teoria da Computação, sob a perspectiva da Teoria Enativa da Computação (TEC).
Representação simbólica com características de autorreplicação e auto-referência, que está ligada a um nível inviolável que a sustenta.
Hofstadter introduz alegorias que exemplificam Hieraquias Entrelaçadas (HEs), nas obras de Mauritz Cornelius Escher e Johann Sebastian Bach.
Figura 2: Detalhe de Relativity, de M. C. Escher (litografia, 1953).
Figura 3: Drawing Hands, de M. C. Escher (litografia, 1948).
Figura 4: Diagrama abstrato de Drawing Hands, de M. C. Escher.
As músicas de Bach possuíam características autorreferenciais.
Este aspecto está bem explícito na obra The Musical Offering (Das Musikalisches Opfer, BWV 1079).
Hofstadter identifica um exemplo quintessencial de HE nas provas de Gödel.
As provas de Gödel buscavam uma solução para o Segundo Problema de David Hilbert: provar que os axiomas da aritmética são consistentes.
Para tanto, Gödel precisava de uma forma de referenciar proposições da lógica, dentro da própria lógica.
Como exemplo, suponhamos um sistema lógico formal austero, equivalente ao sistema formal utilizado na obra Principia Mathematica, de Whitehead e Russell.
O sistema só é capaz de falar a respeito de propriedades numéricas. Portanto, realizaremos um mapeamento das proposições para o conjunto do números naturais \((\mathbb{N})\).
Gödel demonstrou que este mapeamento equivale ao que coloquialmente compreendemos como paráfrase ou citação.
Um número natural \(n\) poderá ser escrito como uma sucessão de \(n\) símbolos \(S\), catenados a um símbolo \(0\). Exemplo:
Falar de uma proposição \(\equiv\) provar uma propriedade numérica.
Axiomas para um sistema lógico formal (baseado em Hofstadter):
Núm | Símb. | Núm | Símb. | Núm | Símb. |
---|---|---|---|---|---|
1 | \(\lnot\) | 7 | \(0\) | 13 | \(\times\) |
2 | \(\forall\) | 8 | \(S\) | 14 | \(a\) |
3 | \(\supset\) | 9 | \((\) | 15 | \('\) |
4 | \(\exists\) | 10 | \()\) | 16 | \(:\) |
5 | \(\forall\) | 11 | , | ||
6 | \(=\) | 12 | \(+\) |
Mapearemos o segundo axioma (poderia ser qualquer proposição).
\(\forall a:(a+0)=a\)
Tomando os \(n\) números equivalentes aos símbolos:
\((5, 14, 16, 9, 14, 12, 7, 10, 6, 14)\)
Tomando os \(n\) primeiros números primos:
Pareamos cada primo \(p\) com cada número \(m\) gerando \(p^{m}\), e realizamos um somatório dos valores:
Este será chamado número gödeliano do segundo axioma, e poderá então ser reescrito no sistema formal, utilizando a notação austera \((SSSSS...S0)\).
Seja \(T\) uma proposição que informa se uma proposição pertence ao sistema lógico-matemático, ou seja, se ela é um teorema.
\(T\) recebe como entrada o número gödeliano \(G(a)\), de uma proposição \(a\).
Se \(T\) é uma proposição, então \(\exists\,G(T)\).
Sendo assim, o que nos diria \(T(G(T))\)? Ou seja, \(T\) é uma proposição derivável em \(n\) passos no sistema lógico-matemático?
Kurt Gödel descobriu que não.
Sendo assim, o sistema lógico-matemático é incompleto, porque há teoremas que não podem ser derivados no mesmo.
Para que \(T\) seja derivável, o sistema deve suportar antinomias – o que exige autorreferência.
Hofstadter vê isto como uma oportunidade para transcender os limites do computável.
Uma HE depende de um nível constituinte inviolável para a mesma.
O nível inviolável é percebido como um sistema formal, consistente e incompleto.
Este nível dá origem e/ou acesso a uma porção identificável como um sistema informal, que é a própria HE.
A possibilidade de uma HE abrigar uma antinomia dá a ela um potencial de completude.
Uma HE pode ser compreendida como produto emergente do seu nível estruturante, sendo portanto um contexto emergente.
A HE, então, pode ser vista como um componente à deriva em um sistema complexo autopoiético (SCA).
Defendemos que SCAs podem ser compreendidos como sistemas com consistência e completude em seus subsistemas à deriva, capazes de envolver contradições \((P \land \lnot P)\).
Três critérios são essenciais para a viabilidade desta ideia:
Estes subsistemas são macroscopicamente visíveis como entidades independentes que se comunicam, mas compartilhariam um mesmo nível inferior, demonstrando indissociabilidade.
Como perspectivas, buscamos vias formais para modelar e sintetizar este encapsulamento de um aglomerado de sistemas formais e informais que têm, por definição, a capacidade de interagir mutuamente em suas computações.
Visamos uma representação formal adequada a longo prazo, enquanto modelo computacional efetivo de SCAs.
HOFSTADTER, D. R. Gödel, Escher, Bach: An eternal golden braid. New York: Basic Books, 1979. ISBN 978-0-465-02656-2.
NAGEL, E.; NEWMAN, J. R. Gödel's proof (revised edition). New York: New York University Press, 2001. ISBN 0-8147-5816-9.
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VARELA, F. J.; THOMPSON, E.; ROSCH, E. The embodied mind: Cognitive Science and Human Experience. Cambridge: MIT Press, 1991. ISBN: 978-0262529365.